De onde estou tenho uma visão privilegiada para a rua. Não me refiro a uma janela qualquer, mas a uma grande montra de que consigo dispor, desde que a porta do gabinete esteja aberta.
Torna-se quase indiscreta por me permitir ver a rua desde o pavimento até ao céu. E como tem uma parte espelhada, não é raro perceber alguém do lado de lá a ver o seu reflexo, a apreciar a “toilette” ou então a fazer figurinhas bem mais engraçadas para nós, que as apreciamos do lado de dentro sem sermos perceptíveis. Podia-vos contar cada história…
Mas hoje não é por estas paragens que vagueia o meu pensamento.
Hoje dei por mim a olhar para a rua e a ver os carros a passarem e a tentar imaginar os seus possíveis destinos. Tenho de confessar ter saudades dos tempos de faculdade em que dispunha de algumas tardes (ou manhãs) para fazer o que quisesse. Fosse tratar de coisas aqui e ali, fosse simplesmente para passear a pé… fazia quilómetros nesses tempos. Agora já não é bem assim.
Dou por mim a pensar no quanto era bom poder ser completamente fútil: ter o cabelo sempre com ar de quem acabou de sair do cabeleireiro, andar com umas roupinhas larocas e poder ir lanchar com os amigos, aproveitando para apanhar um bocadinho deste ar soalheiro e fresco de Outono. No fundo, ser uma “dondoca” (eu até tenho imenso jeito para falar “à tia”…).
Mas na verdade eu não sou feita para isso. Se fosse “dondoca”, suspiraria por uma vida stressante, típica de quem anda sempre atulhado de trabalho. Não conseguiria viver às custas de alguém e acho que não suportaria sentir-me afastada de possíveis centros de decisão.
Enfim, a eterna dualidade do inconformismo.
Mas hoje, apenas hoje, dava tudo para ter um pedacinho dessa vida fútil que não suportaria viver eternamente…
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